* Matéria publicada também no Caderno Viagem de Zero Hora em 15/11/16

Viajou a convite da Porto Brasil Viagens, que opera os grupos da Bike Tours Portugal em Porto Alegre.

Alentejo

Há pelo menos um ano não andava de bicicleta. A última experiência havia sido um passeio de bike pelo Vale dos Vinhedos, onde nos primeiros 200 metros troquei a normal por uma elétrica porque não consegui enfrentar as subidas em chão batido.

Quando veio o convite para passar uma semana pedalando pelo Alentejo, fiquei dividida. Metade do meu coração já estava lá. Vendo as paisagens portuguesas, com certeza, cheias de lugares bucólicos e idílicos. Visitando vinícolas, comendo em restaurantes incríveis e descobrindo olarias e pequenos vilarejos.

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O outro lado pensava – “meu Deus, e se cansarem da minha falta de preparo, me deixarem no meio do caminho, de bofes pra fora e querendo voltar pro Brasil?”.

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A sorte é que meus medos são muito menores que minha curiosidade. Fui, com a cara, coragem e o peito aberto. E foi a cara e o corpo que me agradeceram: não tenho como explicar a sensação de cruzar os campos dourados de sol do sul de Portugal com o vento batendo no rosto. Me misturando ao ambiente. Totalmente diferente de estar em um carro, ou até em um ônibus. Não olhava a paisagem pela janela. Eu era parte dela.

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E aí, começo a contar para vocês uma experiência que, mais de um mês depois, ainda está tão viva que sinto cheiros e sabores só de olhar para as fotos.

Primeiro explico que há um grupo de apoio – o Bike Tours Portugal – que dá todo o suporte. A empresa parece grande pelo serviço que fornece, mas os dois donos têm papel principal no serviço  – André Martins é chef e prepara o almoço, dirigindo a van e trailer que são cozinha, banheiro e apoio, enquanto Ricardo González faz todo o trabalho de logística dos passageiros. Além deles, outras quatro pessoas trabalham  na divulgação e organização dos tours. É impressionante o que conseguem fazer com seis pessoas. No início do passeio eles já avisam que o turismo é diferente – o guia José Carlos e o chef André são ciclistas apaixonados, que a cada dia podem mudar o trecho porque descobriram, no tour anterior, um caminho mais interessante, ou uma atração diferente.

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Todas as manhãs o pedal começava pelas 9h. O primeiro intervalo era às 13h – André nos esperava com um almoço em algum lugar onde parava o trailer e montava a mesa e as cadeiras de madeira.

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Após a refeição, um pequeno descanso para curtir a paisagem e começar a digestão, e voltávamos ao pedal.

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Visitávamos vinícolas, pontos turísticos ou olarias. Pelo meio da tarde chegávamos ao hotel. E esses hotéis eram uma atração à parte: o luxo, se é que se pode chamar assim, era formado pela história e pelos detalhes.

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Herdade do Sobroso, em Pedrógão

Antigas herdades (fazendas), conventos que foram transformados em hotéis e vinícolas onde as construções estão integradas às vinhas.

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MONTEMOR-O-NOVO

Parte do “Alentejo Central” tem pouco mais de 12 mil habitantes. O principal atrativo é o Castelo de Montemor-o-Novo, que se avista em cima do principal cume da cidade. Documentos confirmam que foi dali que Vasco da Gama completou seus planos da viagem à Índia.

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Aí já começamos a ver a paisagem típica do Alentejo. O calor do verão é diferente – seco, pode provocar facilmente um vermelhão porque não se sente o quanto está queimando.

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Primeira parada da viagem foi em um hotel que fica dentro de uma vinícola – a L’AND Vineyards.

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O projeto é do arquiteto paulista Marcio Kogan, famoso por obras no Brasil e em vários países da América, Europa e Ásia. As suites são do tamanho de pequenos apartamentos, e todas têm vista para as vinhas. No hotel fica o restaurante do chef Miguel Laffan – que já teve uma estrela Michelin em 2014 e a perdeu em 2016.

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Tive a oportunidade de conversar com Laffan sobre isso. Ele define a perda como uma oportunidade de “abrir os olhos”. A fama da estrela afastou o chef do restaurante, que dividiu a atenção com inúmeros outros projetos (no Mercado da Ribera, em Lisboa, um dos lugares tem a sua assinatura e serve apenas pratos a base de frango). Pergunte se o chefe está na casa. Os pratos têm outro nível quando ele está na cozinha.

Sugestão: Tom yen kung com ostras do Sado (uma sopa tailandesa tão, tão saborosa, que mesmo sendo entrada eu comeria apenas isso como refeição).

O primeiro pedal foi tranquilo – 25 quilômetros pela região para testar a relação de cada um com a bicicleta. O casal comigo era super biker – por isso, a minha foi trocada por uma com pedal assistido – diferente das bicicletas elétricas mais conhecidas, essa reforçava a minha força e trabalhava comigo. Não anda sozinha, é preciso pedalar – e bastante.

ÉVORA

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No segundo dia foram 48 quilômetros pedalando – a maior parte em descida, mas com algumas subidas mais exigentes. Foi o único trecho que nos deixou por mais tempo em rodovia. Ainda assim, a educação dos motoristas em relação aos ciclistas é surpreendente e me fez sonhar com algo assim no Brasil. Outro detalhe curioso: a todo momento cruzávamos com outros grupos de bikers. A maior parte, americanos ou europeus – acostumados a esse tipo de turismo.

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Antes de entrarmos em Évora, cidade Patrimônio da Humanidade, fomos até a Adega Cartuxa, que produz um dos mais famosos vinhos portugueses: o tinto Pera Manca. Se você não quiser investir quase 300 euros em uma garrafa desse rótulo, minha dica é levar para casa uma garrafa de azeite de oliva – que a Cartuxa faz com altíssima qualidade.

Chegar de bicicleta Evora dá uma sensação de mergulhar na história.

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No Alentejo Central, é a única cidade portuguesa a integrar a Rede de Cidades Europeias Mais Antigas.

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É fundada oficialmente em 1.166, mas sua história se mistura com a colonização romana, com a dominação muçulmana e também com a colonização da América – para os cofres de Évora que foram levados os tesouros retirados do Brasil.

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É possível conhecer a cidade entre muros e seus pontos centrais em uma tarde.

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O Templo Romano de Évora (que não foi feito para a deusa Diana, apesar de alguns chamarem de Tempo de Diana) impressiona.

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Mas não tanto quanto a Capela dos Ossos – construída por monges no século XVIII e com as paredes literalmente forradas com ossos humanos, tem na entrada a célebre frase “Nós ossos que aqui estamos, por vós esperamos”.

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A dica, se você tiver pouco tempo, é pegar um tuk-tuk (triciclo) por uma hora para conhecer rapidamente os principais pontos turísticos. A partir daí, escolha onde voltar a pé e ficar mais tempo. Mas não deixe de curtir o final de tarde na Praça do Giraldo – você não vai esquecer dessa experiência.

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Ah! A hospedagem é um espetáculo único: o M’Ar de Ar Aqueduto é um hotel boutique que adaptou no seu projeto o antigo Palácio de Sepúlveda, um edifício quinhentista que tem vista para o antigo aqueduto romano que em algumas partes ainda contorna a cidade

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MONSARAZ

No terceiro dia tivemos a distância mais longa pedalando – quase 62 quilômetros até Monsaraz. O Castelo de Monsaraz é um dos lugares mais lindos que já vi, e vale todo o caminho íngreme para chegar até lá em cima.

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É uma cidade murada, pitoresca, com cafés e ruas estreitas que parecem paradas no tempo.

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Na região passamos pela Olaria Patalim, na vila de São Pedro do Corval.

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Praticamente toda uma família trabalha lá – o oleiro segue a profissão que já vem desde o tataravô.

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Quando perguntei se o filho seguiria o mesmo caminho, ele, enquanto dava forma a mais uma peça de barro, me respondeu, sorrindo: “- Não. Ele quer ser youtuber”.

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Levei essa peça linda e fiz questão de fotografar a artista com ela!

Os preços das louças são convidativos e levamos uma carga que teve que ser buscada, mais tarde, pelo André na sua van.

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Não, não levamos tudo isso (mas, foi por pouco! Olha que LINDEZA!)

Mas talvez o lugar mais incrível dessa viagem seja a Herdade de São Lourenço do Barrocal.

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Sua história é impressionante e arrebatadora – o lugar é uma fazenda que está com a mesma família há mais de duzentos anos. Era quase uma aldeia onde viviam mais de 50 famílias, que só iam uma vez por ano à cidade mais próxima, Reguengos. Todo o resto era suprido dentro da herdade. Com o Golpe Militar Português, em 1974, a fazenda foi nacionalizada.

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Nos anos 90 a família recuperou o local, e no início dos anos 2000 o recriam como um hotel para evitar a falência da propriedade. Hoje, a fazenda segue ativa – produzindo gado, azeitonas e vinho e, ao mesmo tempo, funcionando como um hotel de luxo, porém despretensioso. Mas não se engane – todos os detalhes, mesmo que pareçam singelos, são muito bem pensados.

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Foi um dos lugares que mais me impressionou. Tudo foi reconstruído com os mesmos materiais.

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Os quartos são as antigas casas dos funcionário com originais ou restaurações perfeitas de portas, janelas, chão e fechaduras.

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Não dá vontade de ir embora. E quando vamos, temos a certeza de voltar um dia.

PEDRÓGÃO – HERDADE DO SOBROSO

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Já no Baixo Alentejo, o caminho nos leva pelas margens do Alqueva, maior barragem portuguesa e o maior reservatório de artificial de água da Europa.

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A viagem de bicicleta é por dentro de vilarejos e fazendas com servidões (autorizações de passagem). Sem esperar, de repente estamos dentro de uma cidade – essas surpresas aparecem por todo o roteiro.

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No topo da igreja, uma base de metal para receber os ninhos das cegonhas

Sempre que possível parávamos para um café – um lugares pequenos, uma porta e entrada, três mesas lá dentro e sempre com um alentejano simpático, já passando seus 60 anos, contando uma história ou dividindo sabedoria. A vida corre mais lenta e feliz nas pequenas cidades do Alentejo.

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E foi assim que chegamos, depois de 49 quilômetros de pedal, na vinícola onde nos hospedaríamos naquela noite: a Herdade do Sobroso Wine& Country House. Para mim, a vinícola com os melhores vinhos de toda a viagem.

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Os quartos são menos luxuosos, mas a paisagem enche os olhos – e o atendimento, o coração.

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Chegamos em meio à vindima na Europa – e enquanto chegavam as caixas de uva alicante bouchet recém colhida, eu me encantava devorando as frutas e acompanhando os primeiros passos do processo do vinho.

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Um casal comanda essa herdade – Filipe Teixeira Pinto é o enólogo, Sofia Machado é a gerente da pousada.

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Seus vinhos tiveram destaque no último Concurso Internacional de Bruxelas. Mesmo assim, a simplicidade e simpatia são permanentes no local.

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No jantar, escolha uma açorda – espécie de sopa onde os ingredientes frescos ou pré-cozidos são cobertos por água em ebulição –  as do Sobroso são famosas em todo Portugal.

Para acompanhar? É claro, um vinho da própria vinícola, sem qualquer dúvida!

BEJA

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Parar para uma cerveja Sagres e um queque (bolinho típico, que lembra um pão de ló)

De Pedrógão seguimos para Beja. 45 quilômetros nos separavam. Como outras cidades do Alentejo, Beja também passou por vários povos.

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Desde a fundação, que se acredita tenha sido pelos celtas, em 400 a.C., passando pelos romanos, visigodos e árabes.

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É acolhedora – cheguei ao hotel, um convento adaptado pelo grupo Pestana, troquei de roupa e logo saí para conhecer a cidade.

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Ela já tem dimensões médias – com lojas, farmácias e supermercados. A dica é caminhar até o Castelo de Beja – que possui uma torre de menagem, considerada um dos mais belos exemplos de arquitetura militar da Idade Média.

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É possível subir até o ponto mais alto da torre. Se você tem medo de altura ou claustrofobia, vá com cuidado – as escadas são apertadas e íngremes.

ALBERNOA

Com o final da viagem chegando, os trechos também encurtavam.

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Foram 43 quilômetros para chegar na Herdade da Malhadinha Nova, em Albernoa, no Baixo Alentejo. Esse é outro lugar que vale a visita por si só – é tão bacana e diferente que muita gente de Lisboa vem passar o final de semana ou feriados prolongados.

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A Herdade (sim, mais uma fazenda) é uma mistura de pousada com hotel cinco estrelas, juntando alta gastronomia e vinícola.

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O lugar estava praticamente abandonado – e essa situação se repete por várias regiões do interior de Portugal, que aos poucos vem sendo salvas pelo turismo – até que foi comprado pela família Soares em 1998.

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A intenção foi cumprida a risca: produção de vinhos de alta qualidade, criação de animais de raças locais, tudo de forma sustentável e com produtos genuinamente alentejanos.

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Hoje a Malhadinha é conhecida também pela alimentação – não só do restaurante, mas o café da manhã típico é um dos mais famosos de Portugal.

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Pães alentejanos preparados na hora,  vários tipos de queijos e embutidos portugueses, pratos quentes, sucos e doces completam o menu, que pode ser degustado junto à piscina, vendo a imensidão dos vinhedos.

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A propriedade é também cenário para o último pedal. Dessa vez leves 15 quilômetros desbravando trilhas e terminando no próprio vinhedo da vinícola, onde o chef André nos esperava para um último almoço sob as árvores.

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Foi lá também nesse lugar que tive uma aula de preparo de pão alentejano com o chef Bruno Antunes – com direto a rechear com linguiça de porco preto e tudo.

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No jantar tivemos a oportunidade de degustar nossa produção.

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Sugestão no jantar da Malhadinha – o porco preto ou qualquer prato que leve cordeiro. Você não vai se arrepender! Para acompanhar, fique com os vinhos locais. Quem sabe prove o Touriga Nacional da Peceguinha e compare as diferenças de terroir com o produzido no Brasil.

Ah, deixa eu apresentar pra vocês a Alessandra e o Wolff, meus parceiros de pedal! Dois cariocas super gente boa, melhores colegas!

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E também o André (chef e um dos proprietários) e o José (guia de bike):

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E chegou a hora de dar adeus ao Alentejo. Mas se prepare – você sai do Alentejo, mas leva suas marcas. Foi pouco mais de uma semana, mas pareceu um mês. Acho que o tempo passa mais devagar por lá.

Na próxima semana, você confere aqui no blog algumas receitas alentejanas preparadas especialmente pelo chef André! E são fáceis de fazer em casa.

Esse foi o último tour nesse formato da Bike Tours Portugal. A partir de 2017, os passeios serão em um tempo mais curto, com menores distâncias em pedal e com uma seleção dos melhores alojamentos – para evitar que se troque de hotel todos os dias. Confira mais em Bike Tours Portugal

A PORTO BRASIL VIAGENS está organizando novos grupos para viagens em 2017. Informações pelo (51) 3025-2626 ou (51) 3025-2627

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