Quando os nazistas invadiram a Cracóvia, na Polônia, em 1939, a perseguição aos judeus que ali residiam iniciou. No entanto, a decisão de retirar todos do bairro onde viviam e confiná-los do outro lado do rio – no local que ficou conhecido como Gueto de Cracóvia – aconteceu em 1941.
Antes, eram 68 mil judeus em toda Cracóvia. Pelo censo nazista, apenas 15 mil eram necessários para girar a economia no Gueto. Os outros foram expulsos – levando apenas uma mala de 25 kg e 200 zlotis, a moeda local.
Diferente do que aconteceu em Varsóvia, poucos levantes foram registrados na Cracóvia. Durante dois anos as pessoas tentaram viver da maneira mais normal suas vidas, esperando que a guerra passasse e elas pudesse retornar às suas casas. Mas dos iniciais 15 mil que foram enviados ao Gueto – em um espaço que comportava apenas três mil pessoas – nenhum restou quando da liquidação total do local em 1943. Oito mil considerados aptos para o trabalho forçado foram enviados ao campo de Plaszow. Cerca de dois mil foram mortos pelas ruas do Gueto e os restantes foram enviados para eliminação em Auschwitz.
Os poloneses que viviam na região delimitada como o novo gueto foram mandados para o antigo Bairro Judeu – para que tomassem as casas e locais de trabalho já existentes. Apenas um polonês não aceitou deixar seu negócio – Tadeusz Pankiewicz, que se tornou, da janela de sua farmácia, testemunha da história. A farmácia ficava junto à praça Bohaterów Getta, onde as maiores barbáries aconteceram.
A maneira de abrigá-los era – a cada janela que a casa/apartamento tivesse, 3 pessoas eram alojadas. Famílias dividiam espaço e as rações diárias limitadas a 300 calorias no total.
Essa praça era o único local ao ar livre que podiam usufruir. Ironicamente, foi daqui também que partiram para uma viagem sem volta em março de 43. Essas cadeiras de bronze hoje colocadas ali como homenagem, simbolizam – e revivem – o momento em que chegavam à praça. Acreditando que iriam se mudar para outro local, levavam malas e até mobília. Os oficiais nazistas organizavam: “Coloquem seus nomes e vocês receberão seus pertences quando chegarem ao seu destino”. Minutos depois da partida do trem, os soldados já dividiam os pertences entre eles.
Em determinado momento a SS desiste de contar histórias e passa a fuzilar os judeus ali mesmo. Especialmente se fossem crianças: colocadas em fila, economizavam as balas.
Muitos sabiam do destino que os esperava e suplicavam pela vida. Logo entenderam que isso dava ainda mais prazer aos seus algozes. Passaram então a caminhar em direção ao trem – ou ao fuzilamento – de cabeça erguida e olhando nos olhos dos oficiais da SS. Por isso o nome atual da praça: “Dos Heróis do Gueto Judeu”. Não por um levante ou resistência, mas pela coragem de enfrentar o seu destino olhando de frente para quem lhe tiraria a vida.
Enquanto a área central (Old Town) e o antigo Bairro Judeu florescem e se renovam após a entrada da Polônia na União Européia, que aconteceu em 2004, na área do antigo Gueto Judeu os prédios ainda são praticamente iguais.
No início, o Gueto era apenas delimitado geograficamente. Muitos judeus ainda podiam sair para trabalhar em Cracóvia e voltar para dormir no Gueto. Logo em seguida, uma nova ordem foi anunciada: um muro seria construído e a entrada e saída precisaria ser autorizada pelos oficiais da SS. Apenas quatro entradas existiam, fortemente vigiadas.
Intencionalmente, o muro foi construído na forma dos túmulos dos cemitérios judeus. Era uma espécie de aviso do que aconteceria com aqueles que ali estavam.
Esse trecho do muro é o único ainda mantido. A placa lembra as pessoas que pereceram anos de dominação nazista. Saí em busca desse que era o único trecho do muro ainda mantido dentro da ideia do não se esqueça para que não se repita.
Quando encontrei – ainda não havia visitado Auschwitz – foi o primeiro momento emocionante e dolorido dessa visita. A Segunda Guerra Mundial é mais recente do que se imagina. Não pense que Cracóvia se define apenas por ser um local próximo do principal palco do Holocausto (Auschwitz)- ela é uma cidade acolhedora e receptiva. Aqui no blog ainda vou mostrar outras nuances locais, como a gastronomia e as riquezas culturais – além de um povo que às vezes se parece muito com os brasileiros. Talvez, pelas duas histórias andarem lado a lado e tão presentes, visitar Cracóvia é necessário para todo o viajante interessado em história – principalmente a da Humanidade.
Estar essa parte da cidade também é se ver envolto na história de Oskar Schindler, personagem eternizado pelo cinema de Hollywood em A Lista de Schindler. A fábrica que representou a vida para 1.100 judeus virou um museu que recebe pessoas de todo o mundo.
Quando Steven Spielberg veio a Cracóvia para filmar A Lista, a escolha das locações foi feita nos locais onde era o antigo bairro judeu.
Alguns moradores se preocupam que a história seja contada de maneira errada, uma vez que turistas chegam no Bairro Judeu, reconhecem as locações e acreditam estar no Gueto.
Mas a escolha ajudou a renascer de volta o Bairro, que se encontrava atrasado e abandonado depois de anos de controle comunista.
Hoje, grupos de walking tour se preocupam em mostrar os locais onde se deram cada fato histórico. São opções gratuitas, onde ao final da caminhada cada participante é livre para oferecer, se quiser, uma gorjeta ao guia. Confira aqui mais informações.
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