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Em 2014, um milhão e quinhentas mil pessoas visitaram os campos de Oświęcim, na Polônia – que tenta incessantemente voltar a ser conhecida por esse nome e não pelo termo alemão que recebeu durante a II Guerra: Auschwitz.

Os primeiros prisioneiros começaram a chegar a Auschwitz em 1940. Eram políticos poloneses. O extermínio de prisioneiros inicia em setembro de 1941 e só termina em janeiro de 1945, quando as tropas russas finalmente libertam aqueles que sobreviveram a esses quatro anos. Um milhão e cem mil pessoas, 90 por cento judeus e outros dez poloneses, ciganos, homossexuais e outros grupos foram assassinadas em câmaras de gás e tiveram seus corpos incinerados.

A visita aos campos de  Auschwitz tem uma nova legislação desde o último abril. Em janeiro, quando se completaram 70 anos da libertação do local pelos aliados, a quantidade de visitantes foi maior jamais vista por lá. Preocupados com a manutenção e segurança do local, as visitas agora devem ser marcadas com antecedência e horário. De preferência, com a presença de um guia. (no final do post você vai encontrar todas as orientações para a visitação).

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Conhecer Auschwitz é doloroso. Há o medo de não se conter, de sair correndo para longe daquela cadeia de horrores  já no início da visita.

Mas é preciso continuar, como lembra uma placa já na chegada: “Aquele que não se recorda da história está fadado a vivê-la novamente”.

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Cada visitante recebe um fone de ouvido e o guia (Waldemar Tanski, nosso guia, em vermelho) fala em um microfone, em tom baixo. Isso evita que o local se transforme em uma disputa de vozes entre guias e visitantes. E poucas pessoas falam em voz alta – o respeito é grande. Não há como ser diferente. É uma sensação permanente de que estamos diante de algo que não se compreende e se teme, mas é preciso olhar. É preciso ver.

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A famosa placa “Arbeit macht frei” (O trabalho liberta) está lá, mas não é a original –  essa desapareceu no final de 2009 e foi encontrada, dias depois, cortada em três pedaços e em poder de cinco ex-apenados poloneses. Hoje, essa está exposta no museu interno.

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A ironia nazista era o tom da entrada. Quem chegava a Auchwitz provavelmente morreria, ou pelo trabalho forçado ou pela vontade de um oficial da SS. Era questão de tempo ou de sorte. Mais sorte tinham aqueles que conseguiam chegar até a cerca eletrificada – tentavam ser donos da sua própria morte. Da torre de controle, se um guarda identificasse a tentativa de suicídio de um dos presos, atirava para matar antes que ele chegasse ao seu intento.

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É primavera na Europa e as condições climáticas deixam o local mais próximo de algo que se poderia chamar de normal. Enquanto funcionava, grama e árvores eram inexistentes. A quantidade de pessoas não permitia que o verde florescesse.

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Mães e filhos pequenos dificilmente eram separados. Acabavam enviados diretamente para as câmaras de gás: os pequenos não interessavam para o trabalho e as mães, aos serem afastadas dos filhos, entravam em desespero. Para manter a ordem, a decisão era exterminar todos.

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Quando chegavam a Auschwitz os prisioneiros eram orientados a deixar seus pertences e identificá-los com nomes e números, como se esses um dia fossem voltar aos seus verdadeiros donos. As malas com escrita caprichada estão em exposição. Inclusive (no meio) a de Margot Frank, que junto com a irmã, Anne, chegaram a Auschwitz e foram transferidas para o campo de Berger-Belsen, onde morreram de tifo.

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Muitos outros objetos também eram trazidos pelos prisioneiros e coletados pelos nazistas. Foram encontrados nos escombros da edificação chamada de “Kanada” (uma alusão ao país Canadá, que seria um lugar de abundância) – onde ficavam a maior parte dos pertences roubados pelos nazistas e que foi destruído pelos mesmos antes de fugirem de Auschwitz.

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Cremes e materiais de higiene trazidos pelos prisioneiros

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Pincéis de barba e escovas de cabelo

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Centenas de milhares de sapatos. Inclusive de crianças e bebês

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Muitos prisioneiros acreditavam que teriam uma vida normal e traziam material de uso doméstico

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Talit judaico confiscado dos prisioneiros

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Armações de óculos

Em uma das salas, sem autorização para fotografias, estão montanhas de cabelos humanos. Foi o momento mais difícil da visita. Me afastei do grupo soluçando – com dúvida se deveria continuar ou simplesmente deixar tudo aquilo para trás. A crueldade dos cabelos cortados das mulheres antes – e algumas vezes após – a morte e enviados para fábricas de tecido alemãs me deixou abalada. Virariam meias para os soldados e estofamento de móveis. O desrespeito pela vida na sua mais estúpida forma.

Mas continuei. Para saber que além dos cabelos, os cadáveres também eram analisados para terem seus dentes de ouro retirados. Após incinerados, os ossos serviam de fertilizante para lavouras.

Auschwitz não é um destino turístico. É preciso muita consciência do que se está testemunhando. É como voltar no tempo e olhar para cada uma dessas pessoas: fotografadas ao chegar no campo, já traziam o peso da guerra e das agressões sofridas até ali.

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Alguns ambientes foram mantidos para exposição, como os banheiros.

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Um dos locais mais temidos era o muro da morte. Escondido atrás de portões e entre dois prédios que tinham suas janelas vedadas – para que os prisioneiros não soubessem o que acontecia por ali.

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Muitas pessoas perderam suas vidas em execuções sumárias, enquanto os nazistas ainda fingiam algum tipo de julgamento daqueles que decidiam matar. Hoje, o muro de fuzilamento tem homenagens permanentes àqueles que ali pereceram pelas mãos covardes de seus algozes.

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Auschwitz I tinha uma câmara de gás e incineradores – não tão potentes quanto as de Birkenau (Auschwitz II), mas que foram mantidas quase intactas.

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Após a visita a esse campo, Auschwitz I, o campo original, se segue até Birkenau (também conhecido como Auschwitz II, o verdadeiro campo de extermínio como se conhece hoje). Após a Conferência de Wannsee, em janeiro de 1942, a ordem foi dada: era necessário colocar em prática a Solução Final – o extermínio total de todos os judeus. Caso contrário, “os judeus iriam no futuro destruir o povo alemão”, segundo Hitler.

Assim, surge Birkenau. Uma verdadeira fábrica da morte. Tudo pensado para que o extermínio acontecesse de forma rápida e eficaz.

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Com a aproximação das tropas russas os nazistas tentaram apagar as marcas dos seus crimes. As câmaras de gás e os crematórios foram implodidos. Eles permanecem como foram encontrados:

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Em determinado momento o extermínio diário de prisioneiros era tão intenso que muitos corpos eram incinerados parcialmente em valas atrás dos crematórios. Hoje, esse lugar tem as únicas lápides de Auschwitz – sem nome e representando todos aqueles que foram assassinados nos campos.

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As condições de alojamento eram precárias. Em cada patamar desses beliches pelo menos dez pessoas eram alojadas. O mais embaixo, junto ao chão de terra, não tinha qualquer proteção contra o lodo e a umidade do lugar – um terreno pantanoso. No inverno era extremamente frio e no verão o calor dentro dos pavilhões podia chegar a até 40 C. Hoje o chão tem revestimento de concreto para que as visitas possam acontecer.

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Logo após a libertação dos campos de concentração e extermínio, os aliados quiseram destruí-los como uma espécie de reinício. Quem impediu foram os próprios sobreviventes – eles sabiam que, por mais doloridas que fossem essas memórias, esquecê-las seria negá-las. E correr o risco que acontecessem novamente.

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Em julho de 1947 o parlamento polonês estabeleceu esses dois campos como museus permanentes. Em 1979 foram transformados em Patrimônio da Humanidade pela Unesco.

Não pretendo aqui contar ou mostrar tudo que vi. Nem seria possível – ainda estou assimilando e buscando informações sobre tudo que testemunhei e ouvi nas três horas de visita. É preciso que se entenda como isso tudo aconteceu. Os nazistas tiveram o apoio de vários governos europeus, que enviavam os judeus e outros grupos numa pretensa e horripilante limpeza étnica. Grandes marcas foram parceiras dos nazistas e fizeram o início de suas fortunas que duram até hoje.

O que gostaria, mesmo, é que o que vocês leitores viram e leram até aqui os provoque a conhecer mais, a saber mais e a não deixar que o Holocausto e as vidas de 1,1 milhão de pessoas sejam esquecidas. Democracia e justiça não podem, nunca, aceitarem qualquer exceção.

como chegar

Para visitar Auschwitz e Birkenau é indicado contratar uma empresa que faça as reservas e o trajeto desde Cracóvia – especialmente após o aumento da segurança nos museus. Contratei a Krakow Direct antes de chegar à Polônia e eles me buscaram e deixaram no endereço onde estava hospedada. Os valores de entrada e de guia estão inclusos na taxa de 130 PLN (aproximadamente R$ 110 em maio/2015).  O trajeto leva pouco mais de uma hora – durante esse tempo, os passageiros podem assistir um documentário produzido com imagens da libertação de Auschwitz.

O guia que nos acompanhou nas visitas aos dois campos foi Waldemar Tanski. Preciso, com poucos sorrisos e muita seriedade, tinha como preocupação que os visitantes entendessem e respeitassem o que aconteceu em Auschwitz. Pode ser contratado para orientação de visitas particulares.

Para maiores informações – inclusive pesquisa de nomes de prisioneiros em Auschwitz – visite o site do museu aqui.