*Este é um texto original de Pablo Miyazawa, publicado com o título: “Estou aqui, me divirta: um relato sobre o show do Nirvana em São Paulo, em 1993”. 

O festival Hollywood Rock, de 1993, prometia Red Hot Chili Peppers e Alice in Chains no primeiro dia. No seguinte, seria a vez de L7 e Nirvana.

O primeiro dia foi morninho. Alice in Chains fez um show tecnicamente impecável, climático, porém pouco amigável. O que veio na sequência não melhorou muito a energia. O dia seguinte, um sábado, prometia mais agito. Ninguém se dizia cansado.

Em teoria, o grande show daquele Hollywood Rock foi o do L7. Raivoso, cheio de testosterona, ele atingiu a massa grunge em cheio. No entanto, havia uma certa expectativa para assistir o Nirvana frente a frente.

UMA DAS PIORES PERFORMANCES DO NIRVANA

Antes de Nirvana subir no palco, João Gordo apresentou a banda como “a melhor do mundo”. Naquela época, ele tinha crédito para dizer algo assim e fazer a massa gritar — e todo mundo gritou junto. Literalmente, de arrepiar até o fio de cabelo.

Naquela performance, Kurt, nem um pouco loiro, não deu muita bola para a plateia. Sem abertura ou cumprimentos, deu início a uma versão mais barulhenta de “School”. No entanto, não era preciso entender muito de rock ou ter visto muitos shows ao vivo para saber que algo não ia bem. Estava demasiadamente lento. Krist Novoselic (baixista) e Dave Grohl (bateirista), em seus papéis de coadjuvantes de Kurt, tentavam no desespero manter a música nos eixos. Mas Kurt não deixava. Estava em outra. Não se comunicava com as dezenas de milhares à frente, nem com os dois parceiros ali ao lado. Era como se não estivesse lá — ou, se estava, era como se não quisesse ser visto.

Foi assim a noite toda. Dizem que o show foi curto, mas parecia durar uma eternidade. O setlist incluiu algumas faixas de Incesticide, a então recém-lançada coletânea de lados B, e umas do Bleach, alternadas com quase tudo de Nevermind. Todo mundo ansiava por “Smells Like Teen Spirit”, e ela veio. Simplesmente horrível. Flea, do Chili Peppers, veio “ajudar” no solo soprando seu trompete, o que resultou na mais absoluta cacofonia. Uma coisa não ornava com a outra. Parte da plateia xingava Kurt com todos os apelidos cruéis já inventados.

Havia no ar um clima de “algo errado”, de vergonha alheia. Para a grande maioria, o show estava ruim porque era por demais imprevisível — tudo podia acontecer a qualquer momento. Em outros tempos, isso seria uma incrível qualidade para uma apresentação ao vivo. Kurt tocou bateria, usou um vestido comprido, derrubou caixas, quebrou a guitarra e entregou de presente para alguém sortudo na plateia. Não passava pela cabeça de ninguém que ali a história estava sendo feita. Uma verdade é absoluta: aquele era um momento a ser lembrado, pelos motivos certos e errados. No entanto, ali ninguém se deu conta disso ao encarar, estatelado no Morumbi, vendo Kurt… agir como Kurt.

Quando começou a famigerada jam com instrumentos trocados, a paciência se esgotou e muitos se viraram para ir embora. No show da semana seguinte, que ocorreu no Rio de Janeiro, Kurt causou bem mais. Cuspiu na câmera, simulou masturbação, se fingiu (?) de louco. Ali em São Paulo, nosso herói estava manso, apenas chapado em excesso. Não saí de lá xingando Kurt, mas também não saí o adorando mais. Hoje, me arrependo de não ter aproveitado direito aquele momento único, mesmo com todas as ressalvas.

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