Nesta quarta-feira (16), completamos uma semana sem Gal Costa. Em homenagem ao seu legado, o “Além da Letra” de hoje é sobre a canção “Meu Nome é Gal”.

No ano de 1969, Erasmo Carlos, ainda hoje conhecido como “Tremendão”, estava indignado. Naquela época, ser celebridade não era o suficiente para ser aceito nos círculos sociais da burguesia brasileira. Então, quando o empresário Guilherme Araújo lhe propôs a compor uma música para o segundo disco de Gal Costa, Erasmo canalizou a sua revolta do proletariado para a canção, de forma sútil, mas dignamente existente. Assim, nasceu a faixa “Meu Nome é Gal”.

Os dois haviam se conhecido no ano anterior. “Ganhei intimidade com aquela gracinha tímida (com trocadilho, afinal o nome dela é Maria da Graça), de cabelo encaracolado, rosto angelical e narizinho deliciosamente arrebitado”, contou Erasmo na autobiografia “Minha Fama de Mau”.

Na época em que “Meu Nome É Gal” foi lançada, a cantora foi entrevistada pelos jornalistas do Pasquim, que não perceberam a crítica social subliminar na letra e perguntaram a ela se era “autopropaganda”.

Erasmo, em entrevista ao próprio Pasquim no ano seguinte, trataria de explicar a mensagem política embutida na ingênua letra. “No Rio a menina pode morar em frente para o mar em Ipanema, milionárias, chega para uma amiga e diz: ‘sabe quem eu tô namorando? O Zeca do Leme’. E o Zeca é o maior pilantra, mas ela tá namorando ele, não quer nem saber, janta na casa dele, ele vai na casa dela”, explica Erasmo.

“Em São Paulo, não. A menina chega para o cara e diz: ‘Olha, estou namorando o João’. E a outra diz: ‘João de quê?’ É isso que eu sou contra. Em “Meu Nome é Gal”, eu e Roberto (Carlos) fizemos a música baseados nisso. O problema me aflige muito, mais do que a ele que é casado, porque estou cansado de namorar menina paulista, ligar pra casa dela e não poder dizer que sou eu, porque se disser o pai dela mata ela e me mata”, conclui o cantor.

A manifestação contra o preconceito de classe é escancarado nos versos “Não faz mal/ Que ele não seja branco, não tenha cultura/ De qualquer altura, eu amo igual” e “Não precisa sobrenome/ Pois é o amor que faz o homem” da canção.

Ouça agora o single completo:

UMA CANÇÃO REVERENCIADA POR CAETANO VELOSO

De Londres, onde estava exilado, Caetano enviou um bilhete à dupla parabenizando pela canção.

“Roberto & Erasmo: acabo de ouvir a música que vocês fizeram para Gal. Fiquei profundamente comovido. Embora eu já esteja há muito tempo em contato com a grandeza do trabalho de vocês, fiquei espantado: vocês são geniais”, escreveu o cantor. Ao lado de Gal, Caetano gravou o icônico álbum “Domingo”, de 1967.

Escute o disco no YouTube:

Erasmo Carlos também contou ao Pasquim que, quando a música foi composta, no trecho onde ela cita os nomes de pessoas que admira, havia apenas Caetano e Cassius Clay — o lutador Muhammad Ali, cujas posições políticas os cantores admiravam. A dupla deixou Gal livre para acrescentar quem quisesse. Dez anos depois da primeira gravação, em 1979, ela grava novamente a canção para o álbum “Gal Tropical” e esta parte fica de fora. Mas, em 2015, no show ao vivo do disco Estratosférica, Gal volta a declamar seus admirados no final, acrescentando nomes novos aos antigos.

Ouça a versão atualizada:

GAL E A GUITARRA

Os duelos entre a voz de Gal e a guitarra foram marcas registradas nas performances da artista. O primeiro guitarrista a duelar com a voz da cantora em turnê foi Perinho Santana (1949-2012).

Da década de 90 para cá, Gal Costa passou a cantarolar, a dialogar com a guitarra, em vez de desafiá-la. À medida que sua voz ficava mais grave, os duelos foram ganhando a suavidade dos anos bem vividos.

UMA CANÇÃO ATEMPORAL QUE AINDA BATE RECORDES

De acordo com o YouTube, “Meu Nome É Gal” foi a faixa mais buscada após a morte da artista.

Maria da Graça Costa Penna Burgos nasceu em Salvador, no ano de 1945. A cantora faleceu no auge de seus 77 anos. A causa da morte foi mantida em sigilo.